A milonga que mais ri é aquela que samba de tristeza. Disse em alta voz após ouvir piazzola a noite toda. O som começou num jantar formal na casa de arquitetos famintos, passou pelo ambiente frio de seu carro negro e terminou no quadradinho onde supostamente vive com seus livros e discos rotos. Sabia onde encontrar a resposta daquele silêncio molhado. Necesitava dela para seguir com os pés ambulando pelo mundo. Páginas velhas frente aos olhos que derramam gotas de prazer egoisticamente lúdicas. A garrafa de café muda ri, deseja, e sempre cai no livro aberto marcando o não-ser que ali se instala, demonstrando bem o que é e o que não é das coisas que supostamente existem mas que no fundo são distorções à toa. Assim, buscando existir na estupidez da sua poltrona sem luxo tirou os sapatos, agarrou a xícara e sorriu para o cachorro. Cansado de tristeza pediu palavras por telefone, mas só algunas poucas e suficientes. Ao mesmo tempo em que se lembrava de uma canção antiga de Françoise Hardy, com o aparelho nas mãos chorou escutando o que chegava de lá, do outro lado.
...desculpe-me, mas ao telefone não somos tão bons assim.
e o aparelho se manchou num ataque de mudez absurda.